Futebol Interior

Precisou de uma pandemia para comprovar o que todo mundo já sabia, mas teimava em não acreditar: jogadores de futebol não são super heróis. Mesmo que alguns dirigentes e até mesmo o presidente do Brasil tentem, de forma irresponsável, ignorar isso.

Talvez por seus salários fora da realidade, talvez por serem responsáveis por levarem alegrias e tristezas para a casa de muitas pessoas, os jogadores foram colocados em uma prateleira acima dos seres humanos. Muitos deles, inclusive, se colocam nessa prateleira.

Mas aí veio a pandemia do coronavírus e mostrou que os jogadores são como você, que está lendo essa matéria. Eles têm sentimentos, medos, angustias. Não é a toa que muitos estão sofrendo com a paralisação do futebol.

“O mais importante é que estão percebendo que os jogadores também são seres humanos, também são pessoas vulneráveis física e psicologicamente, desconstruindo a ideia de heróis indestrutíveis que muitas vezes são colocados sobre eles. Precisamos olhar com mais humanidade para essas pessoas, pois estamos todos juntos no mesmo barco”, afirma a psicóloga do esporte, Gabriella Finatti, ao Portal Futebol Interior.

De acordo com pesquisa realizada no mês passado pela FIFpro, o sindicato mundial de jogadores, foi notório o crescimento de jogadores que apresentaram sintomas de depressão e ansiedade desde que os campeonatos foram paralisados por conta da pandemia.

A pandemia interrompeu a atividade dos jogador, que está impossibilitado de fazer o que ele faz diariamente. Houve uma queda brusca na produção, na sensação de utilidade. O fato de não saber o que vai acontecer provoca uma ansiedade muito grande. Porque ansiedade é isso, se preocupar com o amanhã”, disse a psicóloga Marina Vasconcellos.

E isso gera um efeito cascata, pois a questão psicológica interfere diretamente no fator físico dos jogadores. Quem apresenta sintomas de ansiedade e depressão perde o interesse, o apetite e o sono. Assim, não consegue seguir os treinos diários passados por seus clubes.

“Muitos não sabem lidar com isso (paralisação da atividade), pois precisa ter muita disciplina para fazer exercícios em casa, todos os dias, nos horários certos. Tudo isso produz ansiedade, pode desanimar e deprimir”, comenta Vasconcellos.

Alguns clubes no Brasil já iniciaram seus treinamentos presenciais – Internacional e Grêmio – e outros estão preparando essa volta. Com isso, a tendência é que os jogadores voltem a se sentir úteis, diminuindo os casos de ansiedade e depressão. Mas a psicóloga Marina Vasconcellos alerta:

“Quando eles voltarem, (o psicológico) tende a melhorar rapidamente, porque vão descarregar a tensão fazendo os exercícios, vão ter contato com os companheiros. Mas eles precisam ter paciência, porque, se cobrarem o desempenho de antes, aí vem a ansiedade da cobrança ou depressão. É bom eles terem a consciência de que tudo vai mudar”.

E é aí que vem a importância dos clubes. O foco durante a paralisação do futebol foi a questão física, deixando o fator psicológico um pouco de lado. Isso é algo que precisa ser visto com outros olhos, pois são coisas interligadas.

“Faltou muito suporte psicológico. As pessoas não pensam nisso. Ainda tem aquele pensamento de “não sou louco para fazer terapia”. Embora muitos clubes tenham o psicólogo ligado ao esporte, infelizmente não dão a devida importância para essa questão. Faltou esse suporte antes e agora é correr atrás do prejuízo. O ideal é que esse suporte seja dado por todos os clubes”, opina Marina Vasconcellos.

Essa paralisação no futebol, inclusive, pode fazer muitos jogadores repensarem suas carreiras. Principalmente aqueles que estão próximos da aposentadoria e devem sentir mais o retorno da rotina de treinamentos intensos.

“Acho que vai variar bastante do momento da carreira e o que o futebol representa para cada um. Se já estiver em final de carreira, essa aposentadoria pode ser adiantada, pois esse processo de destreinamento (quando o ritmo e a carga de treinos vão se reduzindo) e a volta ao treinamento intenso é algo bastante complexo”, aponta Gabriella Finatti, antes de concluir:

“A maioria dos atletas são tão apaixonados pela sua modalidade que dificilmente vai repensar a carreira. Porém, isso não é uma regra. As prioridades e metas de vida podem ser repensadas a qualquer momento”.