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Nesta semana, duas decisões da Justiça do Trabalho deixaram os torcedores o futebol brasileiro com uma dúvida vital: será que os jogos às 16 horas de domingo e os duelos depois da novela da Globo, às 22h de quarta-feira, estão com seus dias contados?

A origem do ponto de interrogação é o sucesso do ex-zagueiro Paulo André, contra o Corinthians, e do meia Maicon, contra o São Paulo, em processos trabalhistas. Os dois receberam verbas referentes a, segundo os documentos obtidos pelo UOL, atuar aos domingos e jogar após as 22h em dias de semana sem compensação.

Ainda sem jurisprudência consolidada na Justiça brasileira (isso significa um conjunto de decisões que firma um entendimento predominante nos tribunais), a questão contrapõe os dias mais tradicionais do futebol brasileiro (domingo e quarta-feira) a direitos previstos na legislação trabalhistas (a folga semanal e o adicional noturno).

De um lado, clubes, patrocinadores e a televisão se reúnem em torno de um produto fechado, consolidado e comercializado todo ano. Exibir as partidas da TV aberta após a novela é uma exigência antiga da Globo. Os jogos de domingo são protagonistas de uma grade de programação já conhecida dos patrocinadores e que faz parte do dia a dia dos torcedores.

Do outro lado, advogados com décadas de experiência no meio do futebol, cientes de que falta uma legislação trabalhista específica para os atletas. O que gera uma cultura em que clubes não atendem todas as exigências previstas na Constituição Federal e na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O alvo são os jogos no domingo e depois das 22h.

Após a derrota na ação movida por Paulo André, o Corinthians anunciou que não quer mais jogar nos domingos ou à noite. A atitude abre um precedente para que outros clubes adotem posturas semelhantes.

Agora, o UOL Esporte explica o problema, o que está por trás das ações o que pensam os atores da discussão e responde à pergunta: o tradicional futebol de domingo à tarde está ameaçado?

O primeiro personagem da história é o zagueiro Paulo André. Agora dirigente do Athletico, ele acionou judicialmente o Corinthians em 2014. Ele alegou que por diversas vezes não teve direito a uma folga semanal. O Descanso Semanal Remunerado (DSR) é previsto em lei.

A Justiça concluiu que Paulo André não teve descanso na semana por várias vezes e condenou o Corinthians a pagar dobrado os trabalhos feitos pelo ex-zagueiro aos domingos e feriados não compensados. O Corinthians fez acordo de R$ 750 mil para encerrar o processo trabalhista, que estava em 2ª instância.

Na ação de Maicon, protocolada em 2016, além de jornada dobrada aos domingos e feriados, seus advogados solicitaram verbas de horário noturno. A Justiça condenou o São Paulo, em 2ª instância, a pagar pelas horas trabalhadas após as 22h e pelos domingos e feriados não compensados. A condenação é de R$ 200 mil, mas pode subir para R$ 700 mil com juros e correções. Cabe recurso.

As ações vitoriosas causaram reações diversas. Maicon rebateu internautas nas redes sociais, declarando que por muitas vezes deixou de receber em outros clubes e que os jogadores “devem ir atrás de seus direitos”. Vários atletas apoiaram a publicação de Maicon, entre eles Fred e o lateral Edilson.

Já os advogados de Paulo André enviaram nota oficial ao UOL, publicada no Blog do Juca Kfouri, dizendo que o processo “não tratou de jogos em horários noturnos ou aos domingos, nem reclamou de horas extras”, mas, entre outros pedidos, “diz respeito ao Descanso Semanal Remunerado — que nada tem a ver com horas extras, adicional noturno ou trabalho aos domingos”. A questão é que os jogadores discutem o DSR justamente por jogar em domingos ou feriados.

Jogador do futebol, como qualquer trabalhador, tem seu contrato regido pela CLT. No entanto, a Lei Pelé corre paralelamente aos acordos trabalhistas: o artigo 28 informa que a legislação trabalhista prevalece ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei”. Ou seja, a Lei Pelé vale em situações desportivas especiais.

Essa “disputa” entre CLT e Lei Pelé abre espaço para interpretações. Por exemplo: o artigo 404 da CLT proíbe o trabalho noturno para menor de 18 anos. No entanto, essa atividade tem característica desportiva (ligada à Lei Pelé) e é permitida. Além disso, o artigo 406 da CLT permite a atividade do menor desde que haja autorização do juiz de Menores e cujo trabalho seja indispensável para própria subsistência e dos pais. Ou seja: existem brechas dos dois lados que podem ser explorados.

Nos casos envolvendo Paulo André e Maicon, a Justiça seguiu a legislação trabalhista, condenando Corinthians e São Paulo em ações por adicional noturno e jogos aos domingos e feriados não compensados. Os tribunais rejeitaram os argumentos dos dois clubes de que atividades aos domingos, feriados e noturnas tinham características desportivas.