O Globo

O jogo entre Flamengo e Bangu, na última quinta, marcou um rápido retorno do Estadual que, dois dias depois, teve os jogos no Rio suspensos pelo decreto do prefeito Marcelo Crivella publicado ontem. Na comunidade científica, mesmo antes da suspensão do retorno, o futebol voltando a ser jogado em meio à pandemia é visto como inadequado para o momento da cidade. Ainda que seja seguro.

No Rio, a federação de futebol (Ferj) elaborou um guia com os cuidados para a realização dos jogos. Estão lá desde a determinação de testar todos os envolvidos na partida até o uso de álcool em gel na bola a cada vez que ela for reposta.

— Isso é um exagero — opina Fernando Bozza, cientista da Fiocruz que lidera o grupo Nois, consórcio que analisa a dinâmica da epidemia no país.

A pedido do GLOBO, o pesquisador avaliou o protocolo da Ferj. Ele pontuou que, ao contrário do que diz o documento, as concentrações antes dos jogos deveriam ser evitadas. No geral, entretanto, o guia é elogiado. Seu questionamento está ligado a outro aspecto:

— Com este nível de testagem, o risco de transmissão entre os atletas é baixo. A questão maior é a do exemplo. O esporte coletivo não está liberado. Essa determinação vale para todo o restante da população.

Esta é também a preocupação de Pedro Hallal, coordenador do estudo que mede o percentual de contágio da Covid-19 na população de 133 cidades do país. Na primeira fase, 2,2% dos cariocas estavam contaminados. Na segunda, divulgada há pouco mais de uma semana, 7,5%.

— O futebol é importante e deve retornar, mas a hora parece errada. É exatamente quando o Rio parece estar acelerando na infecção — afirmou o epidemiologista, antes do decreto de ontem— A segurança dos atletas e outros envolvidos é apenas parte do processo. A existência dos jogos agora passa uma impressão de normalidade para a população que, infelizmente, não é real.

Ainda que o campeonato volte ao normal após a suspensão, justamente por terem retornado num momento em que a infecção ainda é alta, os jogos irão demorar a receber público. Pelo plano de reabertura da cidade, somente na fase 6, em agosto. E segundo o infectologista Eduardo Migowski, da Uerj, nem todos poderão apoiar seu time.

— Vai ser preciso criar normas de retomada aos poucos. Primeiro com capacidade reduzida, cadeiras marcadas para garantir espaço entre os torcedores e restrição de acesso às pessoas dos grupos de risco. Acredito que ainda vai levar mais um mês e meio ou dois para termos uma posição mais fundamentada sobre isso.

Número de óbitos
Anteriormente, os indicadores da capital fluminense tinham levado à autorização dos jogos sem torcida. O número de óbitos por Covid-19 está em queda. Em 2 de junho, o município contabilizou 157 mortos. No dia 11, 134. Já na última sexta, 124. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde a taxa de ocupação da rede SUS está controlada.

A capital, contudo, é uma ilha dentro de um estado que vê os óbitos voltarem a crescer após ensaiarem queda na primeira quinzena de junho. Na terça passada, foram 239 mortes, um recorde em 12 dias. Na quinta-feira, dia em que Flamengo e Bangu foram a campo, mais 274. Duas destas, dentro do hospital de campanha do Maracanã.

— Não vejo como possível a volta dos estaduais agora. A realidade de todos os municípios teria que ser avaliada. As pessoas entendem como melhora uma queda de casos numa cidade. Mas ela não é a certeza da resolução de um problema. E como estes números estarão na semana que vem? — alertou Jaime Rocha, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e que ajudou a elaborar o protocolo do Coritiba.