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Historicamente, a CBF – desde os tempos em que era CBD (Confederação Brasileira de Desportos, cuidando de todas as modalidades, além do futebol) nunca fez questão de se colocar ao lado dos clubes. Ainda mais durante a dinastia Teixeira-Marin-Del Nero, explorar a Seleção, os contratos milionários de patrocínios e os negócios, nem sempre lícitos como hoje se sabe, sempre foram as prioridades da entidade. Além, é claro, do jogo político e de favores às federações, como forma de perpetuação no poder da cartolagem tupiniquim.

Não era de esperar-se, portanto, que em um momento de crise como o que o mundo vive, com a bola parada em todo o planeta, a CBF tomasse a iniciativa de espontaneamente assumir uma atitude para ajudar os clubes. Depois de determinar suspensão dos campeonatos – um dos últimos países a fazê-lo, registre-se -, a entidade mor do futebol brasileiro silenciou-se como se nada mais houvesse a ser feito, e os problemas advindos da paralisação simplesmente não lhes dissessem respeito. E, por quase um mês, fez-se de morta, frente ao apelo dos clubes por ajuda.

Eis que, na semana passada, e somente na semana passada, vestiu-se de benfeitora e, enfim, anunciou medidas concretas. Pouco mais de R$ 19 milhões foram destinados aos clubes das Séries C e D e ao futebol feminino, além das federações. O dinheiro foi assim distribuído: R$ 120 mil para cada um dos 68 clubes da Série D, R$ 200 mil para os 20 clubes da Série C, R$ 120 mil para os 16 clubes da primeira divisão feminina, R$ 50 mil para os 36 clubes da Série A2 feminina e R$ 120 mil para cada federação. No caso das Séries C e D, esse valor, segundo a CBF, representa dois meses da folha salarial média de cada clube.

Antes desta verba, sejamos justos, a Confederação já havia decidido isentar os clubes do pagamento por tempo indeterminado das taxas de registro e transferência de jogadores, o que representa ter aberto mão de uma receita média de R$ 1,3 milhão mensais. Também já havia concordado com a antecipação de cotas para os clubes da Série B. Em ambos os casos, porém, não se tratava de verbas próprias desembolsadas pela entidade.

São migalhas!

Em 2019, pelo balanço que a contragosto torna público por mera obrigação legal, a CBF, como se sabe uma entidade sem fins lucrativos, teve uma receita de R$ 957 milhões e um lucro de R$ 190 milhões. Ou seja, o que está sendo liberado agora é tão somente 10% do valor desse superávit. O que torna-se uma quantia ainda mais insignificante quando se sabe que, nos últimos 13 anos, a CBF teve superávits sucessivos no seu balancete, somando, em valores absolutos, sem correção inflacionária, pouco mais de R$ 830 milhões nesse período. Onde melhor aplicar, então, todo esse dinheiro do que na manutenção da saúde financeira do futebol brasileiro?

Os clubes não pedem muito. Buscam, antes de tudo, sua sobrevivência em um momento de absoluta excepcionalidade. A ajuda da CBF deixa de fora, por exemplo, todos os clubes que disputam os estaduais paralisados – para muitos a única fonte de renda durante todo ano – e que não estão classificados para as séries C e D do Brasileirão. Junte-se a isso, a insegurança provocada pela indefinição do calendário, da forma de conclusão desses torneios estaduais e mesmo da disputa do Brasileiro em todas as suas divisões – inclusive a elite – que vem impedindo a elaboração de um planejamento financeiro e operacional minimamente confiável até o final de 2020. E temos um cenário de caos.

A postura da CBF, economizando recursos no apoio financeiro aos clubes e o adiamento de decisões que precisam ser tomadas rapidamente, revelam mais uma vez a miopia da cartolagem. Sem clubes, por mais que a CBF não os valorize, não existe futebol. Deixá-los morrer é matar, portanto o próprio futebol. Simples assim, não é mesmo? Pois o inacreditável é que ainda haja gente que não vê – ou faz que não vê – tamanha obviedade.